28.8.10

Senhora da noite


O dia lá fora é nublado e eu não ouço passáros cantando, meu jardim há muito nao floresce, mas eu já não me importo em regar os brotos. Faço um café fraco, com dois pingos de adoçante, e assisto o jornal matinal que não noticia nada que me prenda a atenção. Escuto minhas "colegas" de casa. Algumas roncam, outras tomam banho, deixando sair pelo ralo toda a dor e a angústia, o gosto da noite passada. Me arrasto pelas escadas em direção ao meu quarto e visto a primeira camisola puída que encontro, suspiro, vou cumprir minhas tarefas domésticas.
A tarde passa lentamente e eu tenho uma pausa para assistir minha novela e penso como seria minha vida se eu fosse a mocinha rica e feliz que deveria ser. Se eu fosse eu mesma em tempo integral, se não tivesse que fingir e manipular para sobreviver. Mas eu não nasci para ser mocinha. Nasci pra ser Soraya. Sou filha de pais ricos e esnobes, mas não cresci como eles desejavam. Reneguei minha família para viver por conta própria, ou como ele pensam, para me arruinar. Essa foi minha escolha. Ser atriz.
A noite chega e antes do despertador velho tocar, avisando que o espetáculo está prestes a começar, eu me visto. Faço do espelho surrado, camarim e do vestido curto de lantejoulas, figurino. Saio de casa com minhas "amigas": é hora do show.
Nos colocamos em posição, a noite é fria e o vestido curto incomoda. A esquina não está bem iluminada. Faço uma careta de repugnância, imaginando novamente como setria se tivesse sido o que meus queridos pais planejaram. Observo uns carros passarem e outros poucos pararem para levar minhas companheiras. Eu me vejo sozinha.
Com frio, bêbada e sozinha.
Acendo um cigarro, começa o segunto ato.
Um homem alto e moreno, meu diretor, para no seu imenso 4x4 e me chama. "Dá uma volta pra eu conferir se vale o preço". Depois de convencê-lo entro no carro, não é meu primeiro dia de apresentação, mas meu coração martela na caixa toráxica.
O homem, com seus trinta e poucos anos para na primeira pousada que encontra. Vai ser a parte mais longa da noite. Ele entrega as chaves do carro para o recepcionista e me arrasta para o muquifo de três cômodos no quarto andar.
O banheiro, pequeno e mal lavado, cheira a sexo. A sala dividida tem um pequeno sofá de dois lugares e um fogão de duas bocas, ao lado do frigobar. E no centro, o meu palco, mais importante, a cama enorme e redonda. Pela aparência do homem eu sabia que ele podia ter escolhido um lugar mais luxuoso, mas não me daria essa satisfação. A minha vontade não importa. Afinal, ele nem me conhece.
A primeira metade do terceiro ato é rápida, eu tenho que ficar parada o tempo todo enquanto o meu diretor se delicia. Viro meu rosto para o lado, sentindo-o dentro de mim. Olho minhas roupas de cena no chão poeirento, junto às pontas de cigarro e à garrafa de vinho mixuruca. Tudo para não ver o prazer estampado no rosto do homem.
Chega a hora do ato final, a derradeira cena.
Equanto permaneço me contorcendo por um prazer fingido e xulo, meu diretor se veste rapidamente."Toma, vadia" ele joga meu pagamento ao meu lado. Não o vejo ir embora, as lágrimas encobrem meu rosto. Acaba o espetáculo, sem palmas. Eu adormeço e expulso as emoções para fora de mim. "Foi a minha escolha", penso. É o que eu sou, o que sempre vou ser.
Uma atriz sem consagração, sem prêmio, esperando pelas palmas, pela ovação de sua platéia.
Mas palmas não virão no fim.

21.8.10

21.08.10

Eu vejo os carros passarem
Os prédios coloridos em cinza
Vejo o céu nublado e carregado de estática
Eu vejo o suor dos andarilhos anônimos na calçada:
É meio-dia.
Tudo para. O calor sobe à cabeça
Transpiração
Eu vejo o cabelo desgrenhado da
Jovem à minha frente, ela dorme
Fecho os olhos
Ouço a s buzinas e os palavrões do estresse
Ouço uma criança chorar, “mamãe está quente”
Procuro ouvir o silêncio por mim desejado
Meus pensamentos são ofuscados pela impaciência e pelo desconforto.
Espero ter um ato inesperado
Voar por cima dos automóveis parados, pular pela janela e sair correndo,
Passando pelas árvores até alcançar o sossego
Escuto atentamente o gotejar no teto e sinto os pingos escorrendo em meu rosto.
Sorrio. Abro os olhos. Deixo a janela aberta
Sinal verde.
Paz, enfim.